
Afinidades inesperadas
Nos últimos anos, a teoria da arquitetura, e ainda mais, a história da teoria, perderam a vigência que tiveram entre os arquitetos, na academia ou na prática, a partir de meados dos anos 60 até o final dos 80. A recente publicação do livro de Pablo Meninato: Unexpected affinities, The History of Type in Architectural Project from Laugier to Duchamp –cuja tradução seria “Afinidades inesperadas, a História do Tipo no Projeto de Arquitetura, de Laugier a Duchamp”, parece querer reverter esta tendência.Pablo Meninato tem uma rica e heterogênea trajetória acadêmica e profissional. Aluno de Alfonso Corona Martínez nos anos 80, mudou-se para os Estados Unidos em meados dessa década, onde estudou e trabalhou com Juan Pablo Bonta em Maryland, para logo após chegar na Filadélfia, onde realizou seu mestrado na universidade da Pensilvânia e onde trabalhou profissionalmente nos escritórios de Venturi-Scott Brown e Mitchel-Giurgola, entre outros. Depois de alguns anos em Buenos Aires, regressou à Filadélfia no início dos anos 2000, cidade onde mora, leciona, trabalha e escreve a partir de então.
Muitas das inquietações teóricas e disciplinares que Meninato busca resolver neste ensaio (que se origina em sua tese de doutorado realizada na UFRGS de Porto Alegre) refletem estas influências. O mérito do livro é ter construído sobre fundamentos conhecidos uma nova e frutífera visão sobre a história da tipologia assim como sua vigência instrumental através de diferentes épocas e até hoje. O que começa como uma minuciosa historiografia culmina com uma audaz e original reinterpretação abrindo caminhos de renovada riqueza conceitual.
A primeira parte do livro é uma organizada recapitulação da história da tipologia a partir de Laugier, passando por Quatremère de Quincy e Durand, relacionando a teoria da arquitetura com a tipologia como eixo com o desenvolvimento da ciência na era do Iluminismo. A partir da cabana primitiva de Laugier, repassando os autores mais conhecidos da tradição tipológica, Meninato une novas visões com tal profundidade e sutileza, que lhe permitem extrair nova energia destes conhecidos enfoques.
A tipologia em suas várias acepções, lembra o autor, deu corpo ao marco teórico organizado que permitiu associar a teoria arquitetônica às ciências naturais de sua época, com sua ênfase nas origens, na taxonomia, na mimese e na classificação. Com os Précis Des Leçons D’Architecture Données à l’École Polytechnique de Durand a tarefa parece concluída. Ou quase. Quando no segundo capítulo introduz Semper, Meninato convida-nos a conhecer uma versão menos conhecida da noção de tipo. Semper – diz-nos– muda de um modo radical essa visão e propõe uma visão que poderíamos chamar evolutiva da forma arquitetônica, mais focada na mudança e adaptação do que na ordem e na classificação. A contribuição de Semper é uma aproximação a interpretações mais básicas, mas também mais ricas, descobrindo o elo como o tipo primordial, origem dos padrões geométricos e construtivos mais adaptáveis de muitas culturas.
No terceiro capítulo, o livro muda de foco e se concentra no Movimento Moderno, com sua conflituosa relação com a tradição arquitetônica –tipológica, da que seus precursores lutavam tanto por se diferenciar–. Dadas as limitações construtivas e disciplinares inerentes a seu tempo, estava claro que aquilo que os Modernos queriam fazer desaparecer com seus deslocamentos conceituais e suas acrobacias atectônicas cobraria mais força pela aparente negação que praticavam.
O seguinte capítulo percorre os caminhos do renascimento da tipologia como campo teórico e prático nos anos 60, 70 e 80. Meninato ocupa-se daqueles autores como Argan, Rossi, Aymonino e Vidler, que fizeram da tipologia um eixo de seu trabalho, assim como aqueles outros, como Louis Kahn, nos quais a ausência de um correlato teórico específico não impede ver o recurso tipológico, tanto como inspiração como em sua atividade projetual.
Os últimos dois capítulos são os que contêm as proposições mais originais de Meninato. Por um lado, a observação do papel do tipo como eixo conceitual da tarefa projetual, de modo explícito ou implícito, em autores como Moneo e Siza, e finalmente, o que dá o título ao livro, as inesperadas afinidades entre a obra de Lequeu, o visionário arquiteto do início do século XIX, com Duchamp, o iconoclasta artista que mudou completamente a ideia do que é a arte e seus métodos por meio de seu conceito de Readymade. Em ambos os casos, o projeto de arquitetura ou os processos artísticos potencializam-se e se enriquecem com deslocamentos estéticos e de significado resultantes da justaposição de elementos e formas. O reaparecimento destas estratégias em trabalhos mais recentes, de arquitetos como Herzog & de Meuron, contribuem com a prova da validade deste suposto. Unexpected affinities convida a retomar a confiança na capacidade da reflexão teórica para enfrentar os desafios atuais da atividade profissional e do ensino. Convida-nos também, simplesmente, a entregar-nos ao desfrute das reviravoltas da história e de sua erudita reflexão.
UNEXPECTED AFFINITIES
THE HISTORY OF TYPE IN ARCHITECTURAL PROJECT FROM LAUGIER TO DUCHAMP
Pablo Meninato
Routledge
Nova Iorque, 2018
16 x 23,5 cm, 182 páginas
(em inglés)